Volta por cima: Antonio Telvio comenta o retorno às pistas após acidente em 2015
Quem está na chuva é para se molhar, e quem está na pista, invariavelmente, pode acabar indo para o chão. Não que esta seja uma regra, porém, praticamente todos os atletas da motovelocidade já se viram pelo menos uma vez rolando sobre o piso duro do asfalto. E a moderna tecnologia dos equipamentos de segurança está aí para reduzir os impactos das quedas e proteger de forma cada vez mais eficiente os pilotos. Em alguns casos, os acidentes rendem apenas pequenas luxações, já em outros mais graves, cirurgias e reclusão por tempo indeterminado. Porém, mais importante do que as quedas é a força de vontade de recuperar-se e fazer a ‘volta por cima’ para competir novamente.
Natural de Porto Alegre e atualmente residindo na capital fluminense, o piloto Antonio Telvio Oliveira Junior, de 45 anos – que nesta temporada disputa o SuperBike Brasil pela categoria SuperBike Light Master – enfrentou com coragem um incidente que o tirou das pistas e substituiu a alta velocidade de uma moto de 600 cilindradas pela rispidez de uma cama hospitalar.
Essa história volve à temporada de 2015, quando piloto competia pela SuperSport Pro Amador. À época, Antonio Telvio estreava com bastante sucesso na categoria de motos com 600 cilindradas. O diretor administrativo e também programador de computadores aprofundava sua tardia carreira nas pistas e ganhava destaque no campeonato. Após alcançar dois pódios – um quarto lugar no Velopark e um quinto em Interlagos – o piloto partiu para a disputa da 5ª Etapa do SuperBike Brasil, prova realizada no Autódromo de Santa Cruz, no mês de setembro.
“Eu conhecia a pista. Já havia andado outras três vezes lá, sendo duas vezes com motos de 600 cilindradas em 2014 e uma vez de 250 cilindradas em 2013”, lembra Antonio Telvio. Nos primeiros dias, nada de anormal. O piloto participou de todos os treinos livres e classificatórios e garantiu a 4ª posição da categoria no grid. No domingo, com as motos já alinhadas na pista, a luz vermelha se apagou e foi dada a largada. Porém, para Antonio Telvio a prova durou apenas uma volta. Logo no início da segunda volta, no fim da reta dos boxes, o piloto errou a frenagem da Curva 1 e acabou indo para o chão. Este incidente resultou em dois braços quebrados – o esquerdo com maior gravidade – e uma luxação no joelho, além de pouco mais de dois meses fora das pistas.
Mesmo com o acidente que o tirou de duas corridas, Antonio Telvio encerrou a temporada em quinto no classificatório geral, e na última etapa, realizada em Cascavel, ainda faturou seu melhor resultado do ano: uma terceira posição. Em 2016, o piloto mudou de categoria – passou para a SuperBike Light Master – e na sua estreia faturou um quinto lugar. Já na etapa passada, abandonou a prova após sua moto apresentar problemas mecânicos. Confira abaixo entrevista com o piloto:
Como foi o acidente em Santa Cruz?
Fazia bastante tempo que eu não caia de moto, e foi efetivamente a minha primeira queda com a moto de 600 cilindradas. Passei a temporada de 2014 e a metade da temporada de 2015 sem quedas. Eu conhecia a pista. Já havia andado outras três vezes lá, sendo duas com moto de 600 cilindradas em 2014 e uma vez de 250 cilindradas em 2013. Portanto, o problema não foi conhecer ou não a pista e sim a forma como eu usei os freios em uma situação extrema.
Eu havia aprendido recentemente, em um curso em São Paulo, uma nova forma de usar os freios dianteiros. Como minha mão é pequena, o instrutor me disse que eu poderia usar todos os dedos na nova forma de frenar. Só que em situações de extremo estresse essa forma de frenar pode gerar o que houve lá, ou seja, uma “alicatada” forte demais.
Logo na segunda volta da corrida, na frenagem ao final da Reta Principal antes da Curva 1, cheguei muito rápido na traseira do piloto que estava à minha frente. Tive que frenar forte e acabei “alicatando” o freio. Conclusão: Não usar mais todos os dedos para frenar a moto, em hipótese alguma.
Qual foi o saldo do acidente?
Quebrei os dois braços, sendo que o esquerdo em maior gravidade. No joelho esquerdo foi apenas luxação. No mesmo dia da corrida, pernoitei em Porto Alegre e logo na segunda-feira cedo fui de avião para o Rio de Janeiro, onde dei continuidade ao tratamento. Foi engraçado eu entrando no avião com os dois braços imobilizados. Muita curiosidade dos outros passageiros.
Já no Rio, e após uma semana de estabilização, precisei operar o meu braço esquerdo para a colocação de fios cirúrgicos. Como as fraturas foram próximas ao punho e sua articulação, houve muita dificuldade em colocar os ossos nos seus devidos lugares. Apesar de eu ter sido claro várias vezes sobre a necessidade de ter meus braços “liberados” o quanto antes para fisioterapia, o médico que estava me atendendo não demonstrava nenhum interesse em me liberar para andar de moto antes do próximo ano [2016]. Eu inclusive pensava que, por ser um ortopedista com especialização esportiva, teria um entendimento sobre a minha pressa em voltar para a pista, mas não tive.
Queria voltar logo a todo custo. Cheguei inclusive a tomar capsulas de cálcio e banhos de sol para agilizar a formação do calo ósseo. Além de diretor administrativo da minha empresa, trabalho como analista e programador de computador. Já imaginou digitar com os dois braços quebrados e engessados? Foi duro, e cansou muito os ombros. Minha esposa foi peça chave da minha recuperação. Sem o apoio incessante dela eu não conseguiria de jeito algum.
Após muita pressão da minha parte, o médico fez a retirada dos fios cirúrgicos antes do momento que ele achava melhor, mas não queria me liberar da imobilização por gesso. Eu tive que literalmente enganá-lo para conseguir ficar uma semana com uma tala, e nunca mais voltei. Estava convicto que era excesso de zelo da parte dele, e essa demora iria piorar ainda mais a minha recuperação por fisioterapia, pois estava todo “travado”. Assim que fiquei com os braços livres iniciei logo sessões seguidas de fisioterapia particular, pois pelo plano de saúde o serviço era horrível.
A queda foi na quinta etapa e já na sétima, em Londrina, você voltou às pistas. Como foi esse retorno?
Cem por cento eu não estava, mas conseguia pilotar a moto. O pior eram as dores no punho esquerdo e a limitação de movimento, pois ainda estava em tratamento. Mas a vontade de acelerar era muito maior. Nas últimas voltas da corrida, o punho e a mão esquerda estavam totalmente dormentes. Eu tinha que olhar para o manete para ver se minha mão estava tirando as marchas no final da Reta Oposta, uma doideira. Mas peguei um quinto lugar. No mesmo dia, participei ainda da corrida da Master e belisquei também um quinto lugar, ou seja, o meu retorno rendeu dois pódios!
Durante a entrevista fiz uma merecida declaração à minha esposa, afinal o meu retorno também era fruto do esforço dela. Aliás, esse assunto de moto e parentes é algo bem crítico com vários pilotos. Muitos não têm apoio em casa, assim como eu não tenho com “alguns” parentes, e isso complica e até inviabiliza o retorno às pistas após acidentes. Felizmente, tenho o entendimento e compreensão da minha mulher, apesar da sua preocupação, e isso faz toda a diferença.
Mesmo com a queda, você terminou a temporada na 5ª colocação. Como avalia o ano?
Mais um ano de aprendizagem. Como moro no Rio de Janeiro, não tenho onde treinar, infelizmente. Todo o tempo de pista que tenho é sempre uma aprendizagem, seja um treino livre ou cronometrado. Portanto, encarei positivamente o resultado final. Além disso, aprendi um pouco mais a andar na chuva, pois na última etapa em Cascavel choveu muito e fiquei em terceiro, mesmo sabendo que eu não poderia cair para não prejudicar a recuperação óssea. No final das contas a queda me deixou mais forte.
E em 2016, por que decidiu mudar para a SuperBike Light Master?
Ficou claro para mim, e para o meu companheiro de equipe, que precisaríamos investir bastante nas motos ZX-6R para ficarmos competitivos. A categoria SuperSport ‘é osso duro’. Os caras estão andando muito e as motos estavam bem mais equipadas e rápidas do que as nossas. Teríamos que investir em escapes full, alguma eletrônica e suspensões racing, pois usávamos as originais e não tínhamos eletrônica. O preço final iria ficar salgado, pois eram duas motos e a economia no país, como todos sabem, estava atrapalhando o nosso patrocinador.
Como cada um de nós tinha uma ZX-10R na garagem, e elas não estão quitadas, decidimos vender as motos 600 cilindradas, que foram compradas à vista em 2014, para bancar a temporada de 1000 cilindradas. Até chegarmos ao ponto de usar todo o potencial dos itens de série da ZX-10R vai demorar, além de ser uma moto muito mais preparada para a pista do que a ZX-6R. Portanto, fizemos uma preparação básica nelas após vender uma ZX-6R. Recentemente vendemos a outra e, com isso, conseguiremos bancar mais algumas etapas.
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